Nobel da Literatura 2010

Retirado do Jornal Público - 08-10-10
Mario Vargas Llosa

Um Nobel da Literatura tão esperado que foi uma surpresa

08.10.2010 - 08:58 Por Luís Miguel Queirós

O escritor peruano Mario Vargas Llosa era um candidato tão óbvio ao Nobel da Literatura que não passou pela cabeça de ninguém - incluindo a do próprio - que pudesse mesmo vir a ser escolhido. Dizia-se que 2010 iria marcar o regresso da poesia, ignorada pela Academia Sueca desde que a polaca Wislawa Szymborska ganhou o prémio, em 1996, e o grande favorito era o sueco Tomas Tranströmer. Mas tinha de chegar o ano em que os suecos surpreenderiam por não surpreenderem.
Mario Vargas Llosa em Calafell, na Catalunha, em Junho de 1974 Mario Vargas Llosa em Calafell, na Catalunha, em Junho de 1974 (Foto: Mario Muchnik)

Quando Vargas Llosa parecia já destinado a tornar-se o sucessor vitalício de Jorge Luis Borges, que todos os anos era notícia por não ganhar o Nobel, a Academia decidiu finalmente consagrar o autor de Conversa na Catedral (1966). A decisão foi anunciada ontem, ao princípio da tarde, pelo presidente da Academia Sueca, Peter Englund, que destacou, na obra de Vargas Llosa, a "cartografia das estruturas de poder" e as "imagens mordazes de resistência individual, revolta e derrota".

Em entrevista a uma rádio colombiana logo após ter sabido que era o 103.º Nobel da Literatura - e que iria receber 10 milhões de coroas suecas (mais de um milhão de euros) -, Vargas Llosa confessou a sua surpresa: "Não sabia que estava, sequer, entre os candidatos". Garantiu mesmo que começou por julgar que se tratava de uma brincadeira. Na conferência de imprensa que deu ao fim da tarde acrescentou que este prémio "reconhece não apenas o escritor, mas a maravilhosa língua espanhola e a literatura latino-americana".

Mas é de prever que nem todos os latino-americanos se regozijem com esta escolha, já que muitos não lhe terão ainda perdoado a acentuada viragem política à direita, que culminou com a sua candidatura à Presidência do Peru, que perdeu para Alberto Fujimori, mais tarde condenado por corrupção e responsabilizado por vários assassinatos políticos.

Em 1967, quando era ainda um fervoroso apoiante da revolução cubana - chegou a viver em Havana -, Vargas Llosa afirmou, ao receber na Venezuela o prémio internacional Rómulo Gallegos, que "a literatura é fogo" e que "a razão de ser do escritor é o protesto, a contradição e a crítica". E lançou um aviso: "Ou a sociedade (...) elimina de uma vez por todas esse perturbador social que é o escritor, ou acolhe a literatura e, nesse caso, não tem outro remédio senão aceitar uma perpétua torrente de agressões, ironias e sátiras". É difícil não reconhecer que, enquanto escritor, foi isto mesmo que continuou a fazer, antes e depois da sua ruptura com Fidel Castro, provocada pela prisão do poeta Heberto Padilla, em 1971.

Reacção de García Marquez

Nascido na cidade peruana de Arequipa a 28 de Março de 1936, Vargas Llosa foi criado pelos seus avós maternos, primeiro na Bolívia, onde o avô era cônsul, e depois em Piura, no Peru, que evoca nas novelas recolhidas em Os Chefes (1959) e no romance A Casa Verde (1966). Já adolescente, voltou a viver com os pais e estudou num colégio militar, experiência que descreve em A Cidade e os Cães (1963).

Em 1953, matricula-se na Universidade de San Marcos, em Lima, onde estuda Direito e Literatura. São os anos em que se aproxima dos círculos marxistas de oposição à ditadura do general Odría, pano de fundo daquela que é, possivelmente, a sua obra-prima: Conversa na Catedral (1969). Em 1955, aos 19 anos, casa-se com uma tia que se divorciara de um irmão da sua mãe, e que era dez anos mais velha do que ele, Julia Urquidi, evocada em Tia Júlia e o Escrevedor (1977). O casamento custou-lhe o repúdio da família e, para sobreviver, teve múltiplos empregos: trabalhou em livrarias, escreveu para jornais e chegou mesmo a ser pago para catalogar nomes inscritos nas lápides de um cemitério protestante.

Em 1964, divorciou-se de Julia e casou-se com uma prima, Patricia Llosa, de quem tem três filhos. Em 1967, o seu romance A Casa Verde venceu o prémio Rómulo Gallegos, a primeira das muitas distinções que veio a receber e que incluem o Prémio Cervantes, em 1994.

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